sábado, 18 de julho de 2009

O começo do Caminho: Águas da Prata – Andradas

Foto: JP Amaral


A programação inicial era a seguinte: acordar às 6h30, sair às 7h, tomar café da manhã e seguir o nosso rumo cicloperegrino. A primeira parada oficial e para carimbar a credencial seria em Andradas, a 34 km do ponto de partida. Na sequencia, planejamos seguir para a Serra dos Lima, 14 km adiante, onde passaríamos a noite numa pousadinha/sítio no meio do nada. O total do dia seria 48 km. Nada que pareça difícil para dois ciclistas que falam com orgulho que já pedalaram, em um dia, 160 km até Piracicaba, 100 km até Sorocaba, blá, blá, blá.

Bom, quem observar o tempo verbal do parágrafo anterior, vai ver que ficamos no “seria”. O Caminho da Fé não é a Rodovia Castelo Branco. Totalmente o contrário. Encarar esse caminho significa pegar estradas de terra 99% do tempo, ladeiras – muitas ladeiras -, pedras soltas, descidas assustadoras – daquelas que a gente desce apertando tanto o freio que chegamos a pedalar mais rápido na subida que na descida -, e esperar surpresas no Caminho, que não foram poucas.

O horário de acordar e tomar café da manhã foi dentro do esperado. Na porta do mercadinho/padaria ainda encontramos os peregrinos de Rio Claro que haviam dormido com a gente na Pousada. Tiramos fotos, desejamos sorte e ficamos na expectativa de encontrá-los durante o trajeto.

Tudo arrumado. Barriga cheia. Pneus calibrados. Simbora! Chegara o tão esperado momento: o Caminho da Fé. Mal começamos a pedalar, já ouvimos a voz alta de dentro de um carro: “vão fazer o Caminho da Fé?”. Confirmamos e descobrimos: “vocês estão indo pelo caminho errado!”. Volta, conversa um pouco com o primeiro anjo da viagem, ouve um pouco de histórias – “já fiz o Caminho quatro vezes. Duas vezes de bike, uma de carro e outra de moto”. E qual você gostou mais, perguntei. “De bike, claro. Dá para curtir a paisagem melhor”!

Agradecidos eternamente, entramos no lugar certo e – bem vindo, você está no Caminho da Fé – LADEIRA! Pedalamos animados. Naquele gás de quem acabou de ganhar bicicleta nova e quer testar até onde ela chega. Mal terminamos a primeira subida, já veio outra. Bora pedalar! De repente, reaparece o carro do nosso “anjo”, que buzina e grita: “guarda energia para mais lá na frente”. Aff... eu estava na pilha, você acha que ia faltar energia?!!

E faltou. Na quarta subida já estava empurrando a magrela. Até porque, dou um prêmio para quem conseguir encarar muitas delas no pedal. São verdadeiras paredes, com muitas e muitas pedras. Mas, vergonha nenhuma empurrar. Até porque não tínhamos pressa, eram “só” 48 km e ainda queríamos parar nas cachoeiras e paisagens bonitas pelo caminho. Sossego total!

Até que, após mais de 20 km pedalados, passamos pelo Pico do Gavião. Logo depois dele, entramos numa estradinha que a terra some e no chão só se vê pedras. Grandes e soltas. Era uma descida e entramos com tudo. O “sound system” do João começou a tremer e ameaçar cair. Ele parou para arrumar. Eu segui em frente. A bike tremendo e o medo de frear e capotar da magrela. Nem foi preciso. As pedras frearam ela por mim. Voei da Serafina e cai nas pedras. Dor na mão, na perna e no braço. Levantei, olhei o estrago. Com a bike tudo bem. Comigo... o braço esfoladésimo! Sangrando bastante. Medo da viagem acabar por ali.

Lá do alto apareceu o João. Mostrei o estrago. Ele me consolou com um queijo nozinho, que ajudou a manter a pressão de pé. Seguimos empurrando. Descer em cima da bike naquelas pedras era tentativa de suicídio. Minha mão direita inchou um pouco, por isso doía segurar o freio para a bike não disparar ladeira de pedra abaixo. A perna, eu nem queria olhar. Doía à beça.

Quando acabou a descida, a nossa água também estava no fim e as setas amarelas tinham sumido. E pra melhorar, estávamos num trecho interditado para carros, pois estão instalando dutos por lá. Ou seja, não ia aparecer ninguém para nos falar que estávamos no caminho errado. Preocupação! Já pensou se estivéssemos perdidos, sem água e eu toda esfolada?!! Quando já estava pensando em começar a ficar nervosa: um sítiozinho. Paramos e perguntamos: “o Caminho da Fé é por aqui”. Resposta afirmativa. UFA! Alívio. E a pergunta salvadora do dono do sítio: “precisam de alguma coisa?!”. De águaaaaaaa! Ganhamos água geladinha, conversa e frases de apoio como “vocês estão pertinho”. Pedalando, em 20 minutos, no máximo, estão em Andradas.

Então, bora pedalar novamente. Com dores e dificuldades, mas estávamos perto da cidade. Eu poderia fazer um curativo, relaxar um pouco e seguir nos 14 km que faltavam. Mas, 5 minutos depois de voltar a girar o pedal, uma freada e um barulho. Pronto, a roda da Kiabin tinha entortado de um jeito absurdo. Paramos para mexer. O negócio foi feio. O João conseguiu, ao menos, soltar um pouco a roda para que ela girasse e conseguíssemos chegar em Andradas empurrando as magrelas.

Nossa expressão era de desânimo, cansaço, medo de não conseguir seguir adiante. A sorte é que tínhamos conosco o guia do Olinto, sobre o Caminho da Fé para ciclistas, e lá ele indica as bicicletarias das cidades por onde passaríamos. Decidimos, então, que chegando em Andradas iríamos direito para a bicicletaria indicada. Enquanto arrumavam as bikes, eu poderia fazer um curativo em alguma farmácia e, claro, arranjar uma pousada para descansar. Não conseguiríamos chegar até onde tínhamos proposto para o primeiro dia.

A primeira sensação era de frustração. Mas, enquanto empurrávamos as bicicletas, apareceu o terceiro anjo da viagem, o Antônio. Um ciclista de São Paulo que gosta de pedalar sozinho e já fez o Caminho da Fé várias vezes. Aliás, foi o único ciclista que “botamos fé”! Que assim como nós, carregava sua bagagem e estava sem carro de apoio. Os outros que encontramos ao longo dos dias eram pessoas ótimas e cheias de força de vontade. Mas todos com suas roupinhas de lycra, power gel – que vimos um ciclista de Campinas jogar a embalagem no chão! – e carro de apoio, para levar as bagagens e apetrechos.

O Antônio foi conversando conosco, dando dicas, contando histórias e nos fazendo entender que a situação pela qual estávamos passando era apenas um pedacinho do que é o Caminho da Fé. Fomos nos animando e entrando no clima novamente, pensando que, realmente, a gente estava sentindo na pele o que era encarar esta cicloperegrinação. E não adiantava esperar moleza!

Assim, chegamos em Andradas, lá pelas 14h30 e empurrando as bicicletas. Achamos a bicicletaria, onde o João conseguiu bater um super rolo e adquirir rodas semi novas - mil vezes melhor que as que ele esta usando – e ainda revisaram a minha bike. Com R$10 faturei a revisão e um par de pastilhas novas no freio, que a essa altura do campeonato já tinham ido pro beleléu.

Achei uma farmácia, fiz os curativos e nos hospedamos em uma das pousadinhas credenciadas. A frustração por não termos pedalado nem 30 km (já que empurramos as bikes uma boa parte do trajeto) foi substituída por uma tarde agradável em uma cidade acolhedora. Tomamos sorvete, demos um role pela cidadezinha, fizemos amizades com duas cachorras numa praça, batemos papo com alguns moradores, reencontramos os peregrinos que saíram de Águas da Prata com a gente, demos risada das placas e nomes dos estabelecimentos, jantamos, e até experimentamos o “famoso” vinho andradense.

No dia seguinte nosso plano era chegar até Inconfidentes. Mas, agora, já começávamos a entender o que era o Caminho da Fé. A gente não sabia o que nos esperava logo mais. Então a decisão mais sábia foi viver o Caminho e deixar as coisas acontecerem como tivessem que acontecer. E valeu muito a pena!


Fotos e vídeos AQUI

5 comentários:

  1. Espero que esteja melhor!

    Caminho da Fé é isso mesmo, tem que entender o Caminho, viver sem pressa para chegar!

    Bjs

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  2. Hehehe. Essas ladeiras impossíveis e pedras soltas e costelas de vaca no caminho me convenceram que eu fiz 300km da Estrada Real da melhor maneira: a pé.

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  3. Evelyn! Tudo bem, querida? Saudade!
    Adorei seu relato. Estou pensando em fazer o Caminho da Fé em outubro. Já tive a experiência de pedalar no Sul de Minas e foi bem assim mesmo... 30km, 40km por dia e olhe lá. Mas rendimento não é nada numa cicloviagem!
    Queria te agradecer pelos contatos do Véritas, ficou fofa a matéria. Mesmo com pouco espaço deu para encaixar bicicletinhas.
    E pedir mais uma vez uma ajuda: quero colocar um cestinho na bike e queria a dica de que marca é o seu, porque cestinhos comuns não encaixam na mesa da minha.
    Beijos, querida! Se cuida!

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